sábado, 3 de março de 2012

Álbum de família:Vida e obra de Túlio Lopes no desenvolvimento artístico e cultural na cidade de Bagé.


UNIVERSIDADE FEDERAL DE PELOTAS
Programa de Pós-Graduação em Memória Social e Patrimônio Cultural

 
Artigo

Álbum de família: A vida e a obra de Túlio Lopes no desenvolvimento cultural e artístico de Bagé, RS.




Zenab Esquirio El Hatal Esteves






Pelotas, 2011 

 
ESTUDO DA ORALIDADE NA ENTREVISTA COM MÁRIO LOPES SOBRE A VIDA E OBRA DE SEU PAI[1]
Zenab Esquirio El Hatal Esteves[2]
           
RESUMO

Este artigo descreve a narrativa realizada por Mário Lopes, por ocasião de um trabalho de pesquisa realizado sobre a vida e obra de seu pai, Túlio Lopes, e cujo objetivo foi analisar a forma de informação que o entrevistado prestou e como se deu a troca de informações neste contexto. Observou-se a forma entusiasmada como Mário refere-se à obra de seu pai e o destaque de importância que dá ao legado tanto artístico como cultural e social que seu pai proporcionou à cidade, especialmente porque foi abrangente em suas realizações. Constatou-se que o entrevistado conserva vivas na memória as lembranças das realizações do pai, mas que a forma como se expressa, ainda que não tenham requinte, constituindo-se de expressões simples, mantêm uma coerência e técnica, capazes de proporcionar um entendimento muito amplo daquilo que quer narrar.
Palavras chave: Narrativa; Entrevista; Expressão de oralidade; Forma de expressão.

ABSTRACT

This article describes the narrative pro Mario Lopes held on the occasion of a research work about the life and work of his father, Túlio Lopes, whose objective was to analyze the form of information that the respondent has provided and how was the exchange of information in this context. There was as excited as the Mario refers to the work of his father and the highlighting of the importance it attaches to both artistic and cultural heritage and social that his father gave to the city, especially because it was comprehensive in their accomplishments. It was found that the respondent retains the memory alive in the memories of his father's achievements, but how it is expressed, although they have not refinement, being of simple expressions, maintain consistency and technique, capable of providing a very understanding ample of what you want to narrate.
Keywords: Narrative; Interview; Speech expression; Form of expression.
Introdução
O começo de um estudo acontece pelo interesse velado de um pesquisador sobre um determinado tema que lhe instiga e encanta. E foi assim que, ao ter uma breve noção da vida e obra de Túlio Lopes, interessei-me por seu trabalho e pelo seu legado à cultura e à arte bajeenses. Além do interesse pela própria arte, que me é peculiar, o despertar para um novo olhar sobre um trabalho diferente que não se compunha de fotografia, mas de uma composição a partir desta, que fomenta a curiosidade pela sensibilidade demonstrada pelo artista.
A partir desse interesse, buscou-se conhecer a vida e obra de Túlio Lopes, tendo como objetivo a identificação de como o seu trabalho influenciou a cultura à arte da cidade e de que forma outros artistas e fotógrafos sofreram a influência do referido artista. Assim, buscou-se informações nos mais diversos centros de documentação da cidade, porém foi tendo como fonte de informações seu próprio filho, Mário Lopes que se conseguiu levantar dados importantes, capazes de atender aos objetivos propostos. Este artigo se desenvolve a partir da entrevista realizada com Mário Lopes, tendo como objetivo analisar a forma de informação que o entrevistado prestou e como se deu a troca de informações neste contexto.
Desenvolvimento
Inicialmente procurei Mário Lopes na busca de informações sobre seu pai, Túlio Lopes, argumentando da importância deste no contexto fotográfico e documental da cidade, mas sem saber como seria a recepção do trabalho proposto. Surpreendentemente, o futuro entrevistado mostrou-se muito interessado em contribuir com o trabalho e entusiasta com a possibilidade de participar da reconstrução da história de seu pai.
A partir de então, começamos um intenso diálogo, que perdurou por várias semanas, começando pelo conhecimento da casa do entrevistado, cuja memória do pai ainda está viva em vários cenários e objetos por ele deixados, lembrando que a maioria deles pertence ao Museu Dom Diogo de Souza, onde está.
A maneira como Mário Lopes se reporta ao pai é interessante, pois fala do mesmo como se ele ainda vivesse. Isso possibilita interpretar que a memória de Túlio Lopes é muito presente ainda pelo que construiu ao longo de sua história, tendo em vista as particularidades que construiu em sua obra – foto e arte num mesmo trabalho.
Foto com pintura à mão por Túlio Lopes

Além disso, a obra comunitária do artista plástico foi muito marcante, sendo lembrada até hoje, especialmente pelo legado social que a mesma proporcionou à cidade. E esse fato foi sempre lembrado por Mário, seu filho durante as entrevistas.
A simplicidade de Mário é mostrada na sua oralidade suave e meiga, onde a busca por palavras simples, mas escolhidas e colocadas de forma metódica e direta denotam o grande conhecimento do assunto em debate. Aos poucos e se utilizando da prerrogativa da narrativa, o entrevistado aponta os caminhos percorridos por seu pai no trilhar de sua existência, ao mesmo tempo que mostra um breve legado fotográfico guardado com muito carinho e denodo, como uma relíquia a ser preservada.
Mostrando o álbum de família.

Inicialmente, narra os primórdios do pai no Brasil, a partir de seu nascimento em Agueda, Portugal, em 1894, tendo vindo para Bagé, com os pais, com apenas um ano de idade. Comenta sobre seus estudos no Colégio Nossa Senhora Auxiliadora onde foi um dos fundadores. Ao comentar esses fatos, denota emoção, como se estivesse falando de um passado recente e muito marcante para ele, Mário.
Mário relata ainda que seu pai teve na fotografia seu hobbie preferido, usando sua própria casa como atelier, e onde desenvolveu a arte de colorir fotos à mão, trabalho artístico em que se destacou e para o qual mostrava extrema perfeição, segundo seu filho. Ao mesmo  tempo que relata estes fatos, Mário vai mostrando (ilustrando) a conversa com os álbuns de família que guarda em casa, onde mostra vários trabalhos de Túlio que corroboram com a narrativa.
A entrevista se torna apaixonante para ambas as partes, entrevistadora e entrevistado, prolongando-se por várias horas a cada dia. Às vezes, sendo retomados pontos anteriores, onde são relatados novos fatos sobre os que já haviam sido comentados. A simplicidade com que Mário relata passagens da vida de seu pai é impressionante pelo fato de que, apesar da idade, as lembranças parecem muito vivas na sua memória, como se fossem recentes.
Relata, com orgulho, o pioneirismo do pai como repórter fotográfico do Jornal Correio do Sul, num tempo em que não havia clicheria e as fotos dos principais acontecimentos da cidade eram exibidas em um painel, na frente do prédio do jornal. Com isso, Túlio constituiu um acervo histórico-cultural-social de alta relevância para a cidade, que foi resgatado pelo filho e entregue ao Museu Dom Diogo, onde está exposto.
Mário Lopes fala de forma entusiástica de outro hobbie de seu pai, o cinema em casa, que possibilitou a ele constituir um grande acervo de filmes do cinema mudo, sendo alguns muito raros, com valor incalculável atualmente. Mas a alegria de Mário se expande quando refere-se ao trabalho do pai na formação na década de 50 da banda da Sociedade União dos Artistas, a popular “bandinha” e na organização da Orquestra Filarmônica de Bagé, cuja existência foi breve mas muito jubilosa.
Mário ainda se refere ao trabalho de seu pai como colecionador de fotos que memorizavam a cultura e a sociedade locais, muitas compradas de outros fotógrafos, como “forma de conservar aqui parte de nossa cultura”, como destaca o entrevistado.  Assim, de forma narrativa e num tom muito informal, Mário Lopes descreve a trajetória de seu pai, Túlio Lopes, num clima de cordialidade e, ao mesmo tempo, entusiasmado, utilizando-se de uma forma bem simples de narrativa, mas que nem de longe se aproxima do vulgar.
Pausas na entrevista preenchidas pela mostra de imagens

Ao falar de seu pai, ao mesmo em tempo que demonstra carinho e euforia, obedece a uma capacidade oral muito técnica e comedida, apesar de simples como já foi colocado, e, por isso, consegue abordar os vários temas da vida do pai sem se tornar cansativo ou repetitivo. Utiliza-se das pausas de forma muito interessante, aproveitando-as para preencher o tempo com o visual de seus álbuns de família, o que faz das entrevistas um misto de oralidade e visualização, que se completam de forma muito intima e eficiente para a compreensão da história.
Considerações Finais
Ao reler o texto de Vavy Borges “Gabrielle Brunne-Sieler, uma vida (1874-1940)”, reporto ao que a autora refere sobre a narração, de que “sem documentos não há história e as fontes encontradas, em boa medida, estabelecem os níveis em que podemos nos aprofundar na vida de uma pessoa”. Realmente, as fontes são fundamentais para entender os fatos históricos ou pessoais (ou ambos em conjunto), estabelecendo uma relação entre a história e seus personagens.
E foi em busca das fontes orais e visuais que se pode desenvolver um trabalho sobre a vida de Túlio Lopes, sendo a fonte mais importante seu próprio filho, Mário Lopes, cuja narrativa dos fatos que constituíram o trabalho artístico, comunitário e social de seu pai, contribuiu para entender a importância do legado desse personagem histórico bajeense e a sua influência na cultura, na sociedade e na arte locais.
Analisar a forma como se expressa o entrevistado se torna um tanto quanto inócuo se presenciada a forma como o mesmo se apresenta, fala e cala, expressa-se sem falar e sente ao mesmo que se faz sentir como presença marcante num contexto histórico e cultural que é sua própria residência, que considero um museu particular, cuja figura principal é o próprio Mário.




[1] Artigo apresentado à Universidade Federal de Pelotas, como requisito parcial para ingresso no Curso de Mestrado.
[2] Licenciada em Artes pela URCAMP.

Lindo dia na Rainha da Fronteira!!